O aprendizado (bom) de um vírus

Sim.
É preciso a vida tirar de nós.
Aquela garantia de que as coisas serão como estão nos pegou de calças curtas.
É preciso chegarmos no fundo do poço e algo ser arrancado.
Arrancar sim, é violento mesmo.
Mas parece que é só assim.
É preciso ficar preso em casa para valorizarmos ser livres.
É preciso ter tempo sobrando para que, só assim finalmente separarmos tempo para cuidarmos de nós. E dos outros.
É ainda preciso perder a saúde para modificarmos hábitos.
Só assim.
Eu precisei perder meu carro na enchente para valorizar outras formas de locomoção e valorizar os pedestres.
Reconhecer que não é só virar a chave.
É mais complexo que isso.
E foi preciso perder.
Só assim.
Mas o desejo deste texto é tentar reverter.
É tentar perceber antes do tarde demais.
Porque depois, aquilo se foi.
E é só ali, na perda, que atribuímos o valor.
Como fomos aprender que o valor é depositado naquilo que perdemos?
E, mais complexo ainda, como fazer para valorizar aquilo que está hoje conosco?
Aquele familiar que está na sua frente, aquele cliente fiel, aquele job.
Passamos por eles.
Achamos que eles estavam garantidos.
E este não era um texto sobre gratidão.
Mas, de repente, sem querer, passou a ser.
Saí de casa para ir ao mercado e senti gratidão por andar na rua.
Isso mesmo, andar. Na rua. Do bairro mesmo.
E voltei correndo.
Buscando por uma definição daquilo que eu sentia.
E achei esta: “reconhecimento abrangente daquelas situações e dádivas que a vida lhe proporcionou e ainda proporciona.”
E me conectei com a palavra AINDA.
Como se olhar para tudo que “ainda”.
Aquele emprego que ainda, aquele familiar que ainda, aquele cliente que ainda…
A minha vida que ainda!
Quanto valor tem naquilo que já é.
Desejo a mim e a você, observarmos juntos aquilo que “ainda” em nossas vidas.
Aquilo que, mesmo em caos, permanece.
Ainda que por hora, nada seja garantido.
Mesmo ainda.
Ainda assim.

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